Coluna NordestinaMente | O perdão como foco no comportamento – Por Rômulo Raulino


Postado por Clistenes | 16/07/2020

Instagram: @Psi_Verso | @RomuloRaulinoPsi

Cada um de nós é capaz de sentir muitas coisas a cada instante. Sentimos emoções! Algumas dessas emoções são “quentes”, ou seja, bem vívidas e acontecem em resposta ao ambiente, seja ele exterior ou interior a nós. Outras destas emoções são mais “frias”, em outras palavras, são respostas aos nossos pensamentos, as nossas lembranças e memórias.

Este segundo tipo de reação, as emoções “frias”, também são conhecidas como emoções sociais, porque apesar de serem inatas quanto a possibilidade de se senti-las e expressá-las, algumas precisam de razoável nível de exposição social e aprendizado cultural para serem moduladas.

Outro ponto importante sobre essas emoções sociais é que elas dependem, em alguma medida, da nossa capacidade de ter consciência de nós e dos outros. Essa possibilidade de consciência significa se perceber como indivíduo (pessoa), perceber a possibilidade de produzir ações no ambiente (comportamento) e notar os resultados dessas ações (consequências). Isso também vale para a percepção dos outros indivíduos com os quais convivemos no mundo. Esse processo todo é complexo e cada um vai desenvolvendo-o à medida que vivencia as experiências da vida. Cada um tem maior ou menor capacidade de ter consciência e de aprimorá-la com o tempo!

Em função dessa consciência podemos perceber os processos de vida que estamos inseridos, como por exemplo os processos de apego e vínculo com as pessoas e coisas que amamos. Da mesma forma, também podemos notar os desgastes e rupturas dos vínculos. Sempre que um vínculo é reforçado sentimos amor, segurança, estabilidade. Sempre que ele é desgastado e enfraquecido sentimos raiva, angústia e ansiedade e quando, eventualmente, ocorre a ruptura total do vínculo nós sentimos tristeza e entramos em processo de luto.

Se o processo de luto é saudável passamos por algumas fases, como negação, raiva, barganha, tristeza e aceitação. Ficamos avançando e involuindo dentro dessas fases, mas ao final conseguimos superar a perda do vínculo e seguimos em frente. Mas quando não experimentamos um luto saudável, ao final do processo em vez da aceitação voltamos a nos apegar, só que não mais àquilo que amávamos, mas a uma memória daquilo.

Temos um princípio de que o processo mais complexo é tão somente o rearranjo dos processos mais simples, de modo que novas funções podem surgir. Assim, nesse processo de luto não saudável, surgem emoções sociais como mágoa, culpa, rancor etc. Essas emoções são como subproduto de uma relação que não nos fez bem ou que acabou de modo abruptamente desconfortável.

Essas emoções complexas se constroem com partes de emoções mais primárias, como a raiva, o medo e tristeza. Porquanto elas mantêm parte das respostas fisiológicas e comportamentais dessas emoções mais básicas e podemos perceber isso quando sentimos, por exemplo, a emoção mágoa ou rancor. Elas vêm com partes das respostas de raiva e de tristeza.

Assim, uma forma simples de entender a gênese dessas memórias de emoções dolorosas vem da síntese desses processos de luto tóxicos, em que sentimos com muita intensidade emoções como raiva, tristeza, medo e temos uma tendência a negação dessas respostas emocionais. Desse modo, ocorre a criação de uma memória de toda essa paisagem emocional, que ficará gravada no nosso cérebro e depois, quando ativada, trará as mesmas sensações dolorosas das emoções básicas que lhe deram origem e também trará todos os pensamentos negativos e de negação que tivemos no momento de sua memorização.

Por último, podemos cometer erros assim como os outros também podem. Quando nós erramos e sentimos um mal-estar por esse erro tendemos a produzir uma memória emocional dolorosa. Se focamos em nós como pessoa vamos produzir culpa. A culpa é a personalização do erro, como se a pessoa inteira fosse errada. Quando focamos nas consequências causadas pelos nossos comportamentos vamos sentir remorso, que é tão somente a lamentação de se ter produzido más consequências com os erros. E se focarmos no comportamento em si quando erramos, vamos tender a sentir arrependimento, o que motiva a mudança daquele ato que nos fez errar. A culpa é uma distorção e nos faz sentir uma pessoa menor do que as outras, mas não ajuda em nada a mudar o comportamento causador dela; o remorso é uma auto retaliação em função apenas das más consequências da ação e não do comportamento em si, então não favorece em nada a mudança da ação que levou ao erro. Já o arrependimento é a percepção das ações que nos fizeram errar e mesmo que produza tristeza, há sempre uma tendência de correção e mudança.

Para exemplificar, imagine alguém que dirigia embriagado e acabou por atropelar alguém. Imagine que ao final dessa ação ele é preso. Se ele interpretar essa experiência com foco nele enquanto individuo provavelmente ele irá se questionar enquanto uma boa pessoa e irá se culpar. Se ele focar na consequência de ter sido preso e por alguém ter morrido, ele lamentará isso ter acontecido somente porque ele perdeu a liberdade e pela morte e ao final estará com remorso e talvez volte a beber e dirigir. Por fim, se ele focar no comportamento de ter bebido enquanto dirigia, que esse foi o pivô de todo o erro, ele ainda se sentirá mal por toda a experiência, mas esse desconforto irá motivar a mudança no comportamento para evitar sua repetição. A mudança só ocorre com o arrependimento do comportamento disfuncional!

A mesma lógica pode ser aplicada quando o erro foi cometido pelo outro e isso nos causou problemas. Imagine que agora você é da família daquela pessoa que foi atropelada e morta por alguém que dirigia embriagado ao volante. Se você focar no individuo, que ele fez esse ato porque é mal em si, você iria sentir rancor dessa pessoa, em outras palavras, uma emoção muito negativa sempre que a mera ideia dele viesse a cabeça. Se você focar apenas na consequência de ter ficado sem seu parente, iria sentir mágoa do outro por ele ter tirado alguém que você amava. Na mágoa não se condena a pessoa por inteiro, apenas na parte que te causou dor. Por último se focasse no comportamento dele de ter bebido ao volante, você sentiria uma profunda frustração por alguém ter feito um ato proibido legalmente que resultou na morte de alguém que se amava. Com certeza também iria se sentir toda a dor de perder alguém, mas em relação a pessoa que dirigia bêbada, a reação seria frustração, uma espécie de raiva e tristeza acompanhada da percepção clara do que a causou.

Seja na culpa e no remorso ou no rancor e na mágoa, o fato é que essas memórias emocionais são muito dolorosas e com o passar do tempo elas vão aumentando e se generalizando para todas as partes de nossas vidas, atrapalhando-nos e sem percebermos vai nos adoecendo por dentro. Essas memórias emocionais podem trazer problemas com a ansiedade e depressão e bloquear o nosso crescimento pessoal.

Só o perdão pode nos libertar dessas dores emocionais, seja por causa dos nossos erros ou pelos erros dos outros. O perdão é a possibilidade de quebrar o círculo de dor e sofrimento e nos fazer voltar a ter paz interior e compaixão por nossa própria dor, assim como a dor dos outros. Se você tem dificuldade em perdoar os outros, provavelmente tem dificuldade de perdoar a si mesmo também. Se quiser modificar isso um bom caminho é focar nos erros (não nas pessoas e não nas consequências) nossos e dos outros, como os comportamentos que são – ao contrário das catástrofes que normalmente nós pensamos, assim poderá ser mais fácil construir o perdão.

Francisco Rômulo R. Santos – Psicólogo Clínico CRP 17/3125

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